O Léo continua na Finlândia, mas o blog chegou ao fim. As postagens favoritas do autor estão aí para a memória dele e de quem tiver sem nada melhor pra fazer além de ler blog velho. :) Qualquer coisa, entra em contato por e-mail: lecczz@gmail.com.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Tempo de Pikkujoulu (ou entre relacionamentos no Brasil e Finlândia)

"[...] Sabe aquelas coisas que não se pode fazer no Brasil? Imagina, falar pro meu marido: 'vai cozinhar, toma conta das crianças aí que eu vou pra rua com minhas amigas e chegar as 5 horas da manhã'. Imagina, dá certo isso, filha?"

Dá. Não só na Alemanha, onde mora a carioca Sandra, que deu esse depoimento para um documentário sobre brasileiros vivendo em Munique. Tenho percebido esta como uma das grandes diferenças entre meu Brasil e minha Finlândia (ou seja, as partes das sociedades que vivo e observo): mulheres aqui, nativas ou não, geralmente podem muito mais. 

Há algum tempo, eu escrevi sobre a força da tradição feminista do país e algumas consequências não-tão-cívicas no cotidiano. Nesta época das festas de fim de ano, outra tradição demonstra o quanto a relação entre homens e mulheres aqui pode ser bem diferente do que no Brasil: o pikkujoulu, as festas de Natal entre colegas de trabalho onde pra muitos o lema é  beber até cair e, se der, levantar pra continuar bebendo. Mas, diferente do meu outro post-conto sobre isso, eu não vou falar da biritagem. Antes, porém, vejamos pelo lado de lá do Atlântico Sul.

O Brasil é um país machista demais. Ironicamente machista ao ponto de muitas mulheres (como algumas amigas minhas) se aceitarem como donas-de-casa porque "a vida é assim." E não é só uma visão das que vivem a colar o umbigo no tanque. Pra muitas mulheres que trabalham fora esse é o preço da vida profissional: correr atrás da carreira e cuidar da casa, como minha mãe fez por muito tempo. E o homem? Muitas ainda tem a idéia de que uma característica de "marido bom" é ajudar nos afazeres. Só que a mãozinha caridosa tem limites. Quantos homens você vê sozinho passeando com neném nas ruas brasileiras, por exemplo? 

Fato: numa sociedade extremamente patriarcal, compartilhar os perrengues domésticos não é da nossa cultura. Em relação à curtição, as regras também parecem claras. Se você está num relacionamento, sair sozinho(a) é dar mole ou querer ter experiências além-cerca. E, pra variar, quem sofre mais com isso são as mulheres. Afinal, homem ("tudo safado", como dizem por aí) dar uma saidinha é normal. Mas, como disse a Sandra, dá pra imaginar a mulher saindo pra uma girls' night enquanto o marido fica (por consenso e sem pensar em forra) em casa? Pois é. O pikkujoulu é só um exemplo dessa diferença entre a Finlândia e o Brasil que eu conheço de viver, ver e ouvir falar.

É muito comum ver mulheres na Finlândia saindo pro barzinho ou uma noitada com amigas ou, como no caso do pikkujoulu, com os colegas de trabalho. Para meus amigos isso não parece ser problema. Se têm filhos, eles ficam em casa cuidando das proles porque é obrigação deles também. Cenas de ciúme ou aquela sensação de relação abalada por essas saídas? Nunca vi nem percebi (talvez por finlandeses serem muito reservados e discretos). As vezes, algumas amigas minhas saem, bebem e no meio da noite ligam para o maridão ir buscar.  Imagina como esse cara seria chamado no Brasil? Pois aqui os homens não são considerados patetas ou submissos por isso. Também não quer dizer que sejam todos santos. O pikkujoulu é reconhecido como a época onde muitos homens e mulheres bebem e se pegam com algum colega (e a ressaca moral dura por muito tempo). Mas em comparação com o Brasil, o respeito (mútuo e de outras pessoas) é bem mais visível e praticado pelas bandas de cá.

Aqui eu nunca tive "disputas neandertais", por exemplo. Sabe aquela situação onde um cara vê a mulher com outro cara e decide tentar ganhá-la? É isso. Por atração à mulher, lógico, mas principalmente pra mostrar poder em relação ao outro macho. Não sei como é entre as mulheres, mas entre homens no Rio o bicho pega. Várias vezes, deixei companhias sozinhas pra comprar uma bebidinha e, ao voltar encontrei camaradas gastando o "larga esse cara e vem comigo, gatinha" Naqueles meus tempos macholinos, já reagi de várias maneiras: querendo brigar com o cara, dizendo um cínico-puto "sem chance, palhaço" e as vezes reclamando com a menina por ela dar confiança. Ou seja, não ciúme, mas orgulho e sentimento de posse ferido do território sendo ameaçado. Sim, igual cachorro. Felizmente mudei. De qualquer forma, nunca passei por nada parecido aqui com a linda (♥) Wife.

Enfim, tudo isso pra dizer que aqui eu vejo mais respeito e confiança entre casais do que no Rio. Ou será que a falta de respeito e de confiança não aparecem por conta da independência feminina típica na Escandinávia?  Ou será que a traição é uma coisa menos dramática aqui do que na terra das novelas? Como o ciúme se manifesta na Finlândia? Enfim, é pra observar e pensar. Ainda assim, seja no pikkujoulu ou em qualquer época do ano, é bacana ver muitos relacionamentos com companherismo a ponto de entender e respeitar a necessidade que temos de as vezes fazer nossas próprias coisas, com nossos próprios amigos. Afinal, como diria aquela aplicação no facebook:


Amor não é ter alguém ao nosso lado o tempo todo pro resto da vida.
O nome disso é prisão perpétua.
Amor é outra coisa.