O Léo continua na Finlândia, mas o blog chegou ao fim. As postagens favoritas do autor estão aí para a memória dele e de quem tiver sem nada melhor pra fazer além de ler blog velho. :) Qualquer coisa, entra em contato por e-mail: lecczz@gmail.com.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Culturas da cerveja [e a vida que queremos para nós]

Gosto de beber um chopp ou mais como tantos outros por aí. A Brahma, lá em casa, só não é soberana na geladeira porque a mãe não deixa de querer sua parcela de Skol dentro da bolsa  de feira surrada que vem diariamente do Bar da Helena fazendo aquele barulhinho de garrafas se batendo. De qualquer modo, clara ou escura, a cervejinha é uma paixão familiar. Mas aqui na Finlândia eu quase não bebo. Não quero.


Não se enganem, colegas de copo: há cerveja na Finlândia. De sede de cevada não se morre nessa terra. Também não suspeitem dos gostos, pois há cervejas boas e ruins de tudo que é canto do mundo (leia-se Europa, Australia e Tailândia). Também não é só a questão do preço. Beber em um bar geralmente é caro. Imagine-se pagando uns 8 reais por uma caneca (500ml). Mas comprando no mercado e levando pra casa não é tão ruim. Neste caso, o preço cairia pra uns 2, 3 reais. Tem as mais baratas ainda, geralmente importadas (e boazinhas) que sairiam por 1 real mais ou menos. Ainda assim, os tantos quilos que perdi,muito provavelmente se devem ao fato de eu passar semanas sem tomar umazinha sequer. Ou seja, tive que vir para a Finlândia pra perceber que cerveja pra mim é pura cultura.

Veja minhas razões típicas pra não querer ir à bares aqui, por exemplo. "Não vou àquele pub porque é muito barra pesada", geralmente me referindo à bares que tocam rock antigo e ficam cheios de camaradas de meia-idade lamentando as mazelas da vida e eventualmente quebrando copos e garrafas na cabeça alheia. "Não estou afim de sentar e beber por beber", quando passo sozinho na porta de uma ótima cervejaria aqui na cidade. Ou seja, o que refresca pensamento não é a cerveja, mas a sociabilidade que acontece em torno dela. "Não gosto de beber pra ficar bêbado. Que graça tem beber ao ponto de não conseguir conversar ou se divertir?", eu diria ao justificar meu estranhamento ao beber-cair-levantar tão típico entre muitos finlandeses.

Mais uma vez, não se enganem. Existe uma "cultura de bar" saudável na Finlândia também. Tem gente que se diverte, conversa e sai muito feliz e bem no final da noite. Talvez, pela soma de alguns fatores acima, isso não ocorra com tanta frequência como o choppinho de cada dia depois do expediente brasileiro. Tem o fator frio também (no verão, os bares bombam. No inverno não tanto). Mas é uma cultura diferente da que eu gosto.

Do que eu gosto? Não só da Brahma em si, mas de beber e se sentir perdendo o controle dos movimentos da boca ao discutir futebol, ao falar mal do chefe (com ele do lado, rindo) e cair em gargalhadas altas até se perder noção do que causou tamanha risada. Mas rir. E rir alto. Gosto de pedir os petiscos e os garçons enrolarem com o pedido até que se peça a segunda rodada porque ele sabe que é isso que a gente quer: não beber mais (isso também, lógico), mas tempo. Tempo para curtir os amigos e poder usar a lerdeza da cozinha do bar, ou boteco, como desculpa pra ficar mais cinco minutinhos.


Gosto de, entre uma molhadinha na garganta e outra, puxar um samba batucando na mesa de aço ou plástico e ser acompanhado pelo pessoal das mesas ao redor sem nunca tê-los visto na vida podendo inclusive acabar tendo mais amigos (alguns dos meus maiores entraram mais ou menos assim na minha vida).Gosto de sentar na calçada de casa, ligar o som, esconder copos atrás do muro, esperar os amigos aparecerem "por acaso" já com seus tijolos pra sentar e bater papo. Gosto de conversar com meu pai e meus tios que se tornaram grandes amigos por conta das disinibições causadas pelo ritual da gelada.


Enfim, é a falta dessas (e outras) coisas simples na cultura da cerveja finlandesa que me fazem não beber regularmente por aqui. E são essas pequenas coisas que fazem eu e a Wife termos a certeza de que moraremos no Brasil novamente apesar de todos os grandes pesares (violência, injustiça social, incertezas o tempo todo e o resto que todos conhecem bem). Aqui é tudo certinho, tudo legal e tem até cerveja boa  e alguns amigos pra curtir uma vez ou outra. Mas é lá que o choppinho desce redondo com a alegria de viver e ser feliz que raramente se vê tão explicitamente escancarada por aqui.