O Léo continua na Finlândia, mas o blog chegou ao fim. As postagens favoritas do autor estão aí para a memória dele e de quem tiver sem nada melhor pra fazer além de ler blog velho. :) Qualquer coisa, entra em contato por e-mail: lecczz@gmail.com.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Portal Finlandês pra África | Finnish gateway to Africa*

"Não tenho a mínima idéia", respondi.

"I have no clue", I replied.

E não foi a primeira vez. Eu dava a mesma resposta sempre que a Wife e outros tantos me perguntavam sobre minhas raízes africanas. No Rio a gente nunca fala sobre isso, mas aqui na Finlândia  eu convivo com o assunto como nunca antes na minha vida.

Not only once. The same answer came every time my Wife (or anybody else) asked me about my African roots. Back home, we never really think of it, but here in Finland the issue is somewhat closer to me than ever before.

"Hi", ele disse ao sorrir enquanto apertávamos as mãos logo que entrei pela primeira vez no prédio principal da Universidade de Tampere. Eu não sei como nem o porquê, mas ao me apresentar como brasileiro eu percebi que ele me olhava meio de rabo de olho com uma certa dúvida, quieto... até que piscou como se um  flash de câmera o trouxesse de volta. "Eu sou nigeriano", ele disse. A conversa veio e foi sumindo assim como a alegria inicial do cara.

"Hi", he said and smiled while we shook hands in the first time I entered the main building of the University of Tampere. I don't know how or why, but when I introduced myself as Brazilian I noticed him looking doubtfully at me with the corner of his eyes soon before they blinked as if the flash of a camera had brought him back from his probable imaginary scenario. "I am Nigerian", he said. The talk went on and faded as well as his initial excitement.

A única coisa sobre o meu passado que eu sei é que a mãe do meu avô paterno foi filha de escravos. Aqui na Finlândia - e suponho em outros países europeus - é comum traçar as gerações passadas até séculos atrás (a árvore genealógica da Wife por parte de pai vai até o século XVI, quando os portugueses chegaram ao Brasil). No meu caso, a busca provavelmente terminaria em algum registro de comércio de escravos no século XIX. Mas eu não tenho certeza. Talvez por nunca ter tentando descobrir meu passado. Eu já tive interesse, mas nunca fiz nada de fato pra saber de onde vem minha família.

The only thing about my past I know is that the mother of my paternal grandfather was a  daughter of slaves. Here in Finland - and I suppose in other Western European countries as well - it is common to trace the family tree back to centuries ago (the Wife's family - on her father's side - goes back to the XVI century, when the Portuguese got to Brazil). In my case, the search would probably end in some 19th century trader book. I am not sure, though. Maybe because I never tried to unveil my past. I had been interested, but I never really did anything to find out where my family came from.

"Hey, brother!" A princípio eu não me liguei que o cara negro na lojinha no centro de Lahti estava falando comigo. "Hello!", ele veio e apertamos mãos. "É um prazer conhecê-lo", ele continuou antes de deixar escapar baixinho entre os dentes: "Não parece que somos muitos de cor aqui na cidade". Ele sorriu. Eu concordei timidamente e me apresentei. "Ah...você é brasileiro..." ele suspirou tentando esconder seu olhar desapontado. Conversamos rapidamente sobre nossas estadias e ele me contou que tinha acabado de chegar da Nigéria pra ficar com sua namorada finlandesa. Depois desse encontro, nunca mais o vi de novo.

"Hey, brother!" At first it took me time to realize the black guy in the gift store at the center of Lahti was talking to me. "Hello!", he came and we shook hands. "It is nice to meet you", he continued before letting it slip through his barely open mouth: "There doesn't seem to be so many of us coloured people here." He smiled. I nodded timidly and introduced myself. "Oh....you are Brazilian...." he sighed trying to hide his disappointed look. We talked briefly about the length of our stay, he told me he had just arrived from Nigeria to be with his Finnish girl. After that, I never saw him again.

É engraçado se tu para e pensa sobre isso.  No Rio, eu e meus amigos raramente falamos profundamente sobre a África. Tipo, nós somos brasileiros. A África, de acordo com as notícias, é o continente pobre com jogadores muito bons de bola, mas sem nenhum senso de tática. Muitos de nós não têm BBC, DW ou outros canais internacionais. Assim, a gente raramente ouve alguma coisa sobre a terra dos nossos antepassados que seja diferente de pobreza, ebola, ditaduras, apartheid, essas paradas. A cultura brasileira tem raízes fortes nos cultos e ritmos africanos, nós estamos amarrados uns aos outros pelas correntes que prenderam escravos e os arrastaram pelo Atlântico até a maior colônia portuguesa. Ainda assim, se eu ou meus amigos negros fossemos perguntados, com certeza não conseguiríamos dizer o nome de mais de 5 países africanos. Imagina dizer de onde estão as raízes de nossas famílias...

It is funny, if you stop and think about it. In Rio, my friends and I barely talked seriously about Africa. I mean, we are Brazilians. Africa, according to the news, is the poor continent with very skillful and not very tactical football players. Since most of us did not use to have BBC, DW or other international channels, we rarely heard anything about the land of our ancestors that differed from poverty, ebola, dictatorships, apartheid, that stuff. Brazilian culture is deeply rooted in African cults and music, we are geographical regions pretty much tied to one another by the chains that locked the slaves and dragged them accross the Atlantic Ocean to the largest Portuguese colony. Still, if any of my black friends and I were asked, we would certainly not manage to name more than 5 African countries. Let alone know where our family trees had roots in.

"Com licença, de onde você é?", me perguntou um senhor de meia idade em Nastola enquanto assistíamos a partida histórica entre o humilde time local contra o MyPa, um dos times da Veikkausliiga - a "série A" finlandesa. Deu pra ver que ele estava bem interessado em mim, o que me assustou um pouco. Afinal, não é tão comum que finlandeses puxem conversa assim em lugares públicos com totais estranhos. Eu timidamente me apresentei. "Brasil? Eu pensei que você era da Nigéria ou algum outro país da costa oeste africana...", ele explicou meio surpreso, meio pedindo desculpa. Quando ele ia virando pro lado, eu comecei a puxar assunto e logo descobri que ele esteve na África por razões missionárias e que estava pensando se eu saberia tocar algum instrumento nigeriano de percussão. E assim eu conversei sobre a África com um finlandês como eu e meus amigos afro-descendentes nunca conversamos. Fim de jogo, fomos embora.     

"Excuse me, where are you from?", the middle-aged Finnish man in Nastola asked me while we were watching the historical match between the low-division local team and MyPa, one of the Veikkausliiga ("premier league") teams in Finland. I could tell he was pretty interested in me, which scared me certainly. It is not so common that Finns go starting conversations with strangers in public places like that. I timidly introduced myself. "Brazil!?! I thought you were from Nigeria or some other West-Coast African country..." He said half surprised, half apologizing. When he was about to turn around, I started talking and soon I discovered that he had been there for missionary reasons and was wondering if I knew how to play some Nigerian percussion instrument. And there I was, talking about Africa with a Finn as I had never talked with any of my African-descendent friends. Game over, we left.

"Não tenho a mínima idéia", eu diria hoje se a Wife ou qualquer outra pessoa me perguntasse sobre minhas raízes na África. No entanto, precisei de quase trinta anos até vir pra Finlândia e perceber que é importante saber de onde venho. Eu preciso saber porque é até meio vergonhoso o fato de eu não saber explicar o porquê de eu ser negro no Brasil, saca? Eu me acostumei a dizer "meus avós eram filhos de filhos de escravos" e o pessoal ficar satisfeito com a resposta. Mas aqui na Finlândia a coisa foi se aprofundando. "É mesmo? De que lugar da África eram os avós dos pais dos seus pais?" ou "Eu estive em Moçambique/Tanzânia/Nigéria/Angola/etc. De onde eram os escravos que foram pro Brasil?" E nessa eu comecei a pensar na África como o continente de diversidade e complexidade que é, que Africanos  da costa oeste (Atlântico) podem ser muito diferentes dos da costa leste (Índico). 

"I have no clue", I would say now if my Wife or any other person asked me about my roots in Africa. However, it took me almost thirty years until I came to Finland to realize that it is important that I know where I came from. I need to know because it is a bit embarrassing that I cannot explain to people the reasons for me to be black in Brazil, you know what I mean? I got so used to answering "My grandparents were kids of slaves" and people getting convinced of that. It was in Finland that challenging complements like "Really? From which part of Africa?", or "I have been to Mozambique/Nigeria/Ruanda/Luanda/Mali/etc. Where were the Brazilian slaves from?" started popping up. It was here that I started to think of Africa as the complex and diverse continent it actually is, that Africans from the East can be very much different from the Western ones.

A Finlândia me abriu os olhos pra olhar pro meu passado como parte da minha vida pessoal e não só como as estórias distantes dos livros de história dos tempos de escola. Foi aqui, pela primeira vez na vida, que eu fui visto como um brother africano pela primeira vez.

Finland became my eye-opener to look at my past as part of my personal life and not only as a faraway story from the history books of the school times. It is here that I was seen as a Western African "brother" for the first time in my life.

Eu não saberia explicar o porquê, mas foi bom.
I can't explain why, but It felt good.

*Texto escrito há um tempo atrás (antes de Julho de 2009) no meu outro já falecido blog.
*This text was written some while ago (before July 2009) in my other - now-dead - blog.
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Impressões Brasileiras sobre a África
Brazilian Impressions about Africa

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